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Fisiologia do mergulho Veja também!
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Por Dr. Adriano Leonardi


Podemos dizer que vivemos no fundo de um mar gasoso e na superfície de um mar líquido. Suportamos, nessa superfície, uma pressão atmosférica de 1,033 Kg/cm2, ou de 1 atmosfera (1 atm) e a cada 10 metros de profundidade na água é como se outra pressão atmosférica se juntasse as preexistentes.

Quando mergulhamos, submetemos nosso corpo ao aumento de pressão do meio externo, condição denominada Hiperbarismo, cujos efeitos no organismo humano podem ser diretos ou indiretos. Os diretos ou primários são aqueles que resultam da ação mecânica da pressão sobre as células e espaços corporais. Os efeitos indiretos ou secundários são assim chamados devido às alterações fisiológicas, produzidas em decorrência das pressões parciais dos gases absorvidos pelo organismo. Vejamos cada um deles.

Efeitos diretos

a) Pulmões

De acordo com a lei de Boyle, o tórax começa a ser comprimido com o aumento da profundidade. Com as peculiaridades anatômicas, o tórax assemelha-se a uma mola que reage a alterações de pressão ambiente: durante a fase descendente, ele é comprimido e tem o volume de ar pulmonar reduzido; durante a fase ascendente, ele expande e retoma seu volume normal. Por exemplo: Ao nível do mar, cuja pressão é de 1 atmosfera (1 atm), um pulmão contendo 1L de ar terá seu volume reduzido conforme o mergulhador desce em profundidade. Após 10m (2 atm) o volume de ar cairá para ½ L. A 70m (8 atm) o volume será de 1/8 L e assim sucessivamente.

 

 

b) Ouvido e seios nasais


Dentro da cabeça e dos ossos do crânio existem espaços aéreos interligados por canalículos. São eles, o ouvido médio que liga a membrana timpânica ao ouvido interno e os seios da face. Os seios são cavidades ocas localizadas nos ossos situados em torno do nariz. Os dois seios frontais estão localizados logo acima das sobrancelhas; os dois seios maxilares, nos maxilares; e os dois grupos de seios etmoidais, em ambos os lados da cavidade nasal. Os dois seios esfenoidais localizam-se atrás dos seios etmoidais.

À medida que descemos na água, a pressão externa aperta o ar nesses espaços, provocando uma sensação de pressão e de dor na cabeça e nos ouvidos, situação extremamente desagradável que pode limitar os iniciantes. Para que ela desapareça, é necessário equalizar a pressão nesses espaços com vários métodos -como fechar as narinas e assoar o nariz com cuidado. Se equalizada adequadamente, os seios podem agüentar a maior pressão sem problemas. No entanto, a congestão dos seios provocada por resfriado, gripe ou alergias pode afetar a capacidade de equalizar a pressão e pode resultar em danos denominados “barotraumas”, que serão abordados em outros tópicos.

 

 

 

Efeitos indiretos

Para entender as alterações na absorção e transporte de gases no organismo durante o mergulho, é necessário ter em mente a lei de Dalton: “A pressão parcial de cada gás de uma mistura é diretamente proporcional à sua fração na mistura e à pressão absoluta”. Em outras palavras: A quantidade de qualquer gás que pode ser dissolvida em um líquido depende da pressão parcial do gás sobre a solução e da natureza e temperatura do líquido. Se você aumentar a pressão do gás, mais gás será dissolvido na solução. Com relação à natureza do solvente, a água dissolve uma quantidade diferente de gás, se comparada ao óleo mineral ou ao óleo de cozinha. Se você aumentar a temperatura do líquido, menos gás será dissolvido. Um outro fator relevante para o mergulho autônomo é o tempo: quanto mais tempo você estiver em uma determinada profundidade (pressão), mais nitrogênio será dissolvido na solução.

 

O nitrogênio é o grande “vilão”

 

 

O ar que respiramos é uma mistura de principalmente nitrogênio (78%) e de oxigênio (21%). De uma maneira simples, quando inalamos o ar, o corpo consome o oxigênio, substitui um pouco dele com dióxido de carbono e não faz nada com o nitrogênio. Em pressão atmosférica normal, um pouco de nitrogênio e um pouco de oxigênio são dissolvidos nas partes fluidas do sangue e dos tecidos. Quanto mais se desce, mais a pressão no corpo aumenta e, portanto, mais nitrogênio e oxigênio são dissolvidos no sangue. A maior parte do oxigênio é consumida pelos tecidos, mas o nitrogênio permanece dissolvido. A maior pressão do nitrogênio tem dois efeitos adversos no corpo: narcose de nitrogênio e nitrogênio residual.

Quando a pressão parcial do nitrogênio atinge profundidades de cerca de 30 m ou mais, passamos por um sentimento de euforia chamado narcose de nitrogênio. A narcose do nitrogênio pode fazer com que nos sintamos relaxados ou com sono, o que significa que o mergulhador pode começar a ignorar os instrumentos, o companheiro de mergulho e até mesmo afogar. A narcose vem repentinamente e sem aviso, mas pode ser aliviada se subirmos e ficarmos em uma profundidade menor, pois o nitrogênio começa a sair da solução, à medida que a pressão diminui.

A quantidade de nitrogênio em excesso nos tecidos depende da profundidade mergulhada e da quantidade de tempo passado nessas profundidades. A única maneira de o corpo ficar livre de nitrogênio residual (o nitrogênio em excesso), é subir para a superfície, o que alivia a pressão e permite que o nitrogênio saia da solução. Se subirmos devagar, o nitrogênio sai da solução lentamente. No entanto, depois de termos atingido a superfície, ainda temos nitrogênio residual no sistema e, portanto, antes de mergulhar novamente devemos relaxar e dar tempo ao corpo para ficar livre do nitrogênio residual, antes de mergulhar novamente. Em contraste, se subirmos rapidamente, o nitrogênio sai do sangue rapidamente, formando bolhas: podemos ouvir o som do gás de alta pressão e ver as bolhas que saem rapidamente da solução. É isso que acontece no sangue e nos tecidos. Quando se formam bolhas de nitrogênio no organismo, uma condição conhecida como doença da descompressão ou “a doença do mergulhador”. Ambos serão discutidos nos próximos tópicos.

Como posso evitar problemas com o nitrogênio?

A marinha dos EUA e organizações de mergulho modelaram a maneira de o corpo absorver nitrogênio à medida que seguimos vários perfis de mergulho e criou tabelas de mergulho que podem ser usadas para calcular quanto nitrogênio será absorvido pelo corpo. Em todas as tabelas, há tempos e profundidades correspondentes, nos quais não é necessário passar por descompressão - os chamados de limites de “não descompressão”. Geralmente, quanto mais profundo mergulhamos, menos tempo podemos ficar nessa profundidade - o tempo de “não descompressão” cai, à medida que a profundidade aumenta. Os mergulhadores recreacionais devem planejar seus mergulhos para ficar dentro desses limites e minimizar o risco de doença da descompressão. O instrutor de mergulho mostrará como usar essas tabelas para planejar um mergulho seguro. Além disso, os computadores de mergulho têm essas tabelas programadas neles e usam algoritmos para calcular o tempo seguro no fundo.

 

O oxigênio também pode ser um “vilão”?

Por incrível que pareça, o oxigênio de alta pressão pode tornar-se tóxico e provocar convulsões, ataques e afogamento. A toxicidade do oxigênio chega rapidamente e sem aviso. Para a maioria dos mergulhadores que respiram ar comprimido, isso não ocorrerá até atingirem 65 m abaixo da superfície, normalmente uma profundidade maior que os limites da “não descompressão”. No entanto, para os mergulhadores que respiram Nitrox, uma mistura gasosa rica em oxigênio, a toxicidade do oxigênio ocorrerá em uma profundidade menor, pois a pressão parcial do oxigênio na mistura de gás é mais alta. A intoxicação dos pulmões pelo oxigênio e do sistema nervoso central são denominadas efeito Lorraine Smith e Paul Bert, repectivamente e serão abordadas nos próximos tópicos.

 

Respirando com equipamento de mergulho

A respiração com equipamento de mergulho, quer seja um simples snorkel ou um regulador, influencia o sistema respiratório e circulatório, aumentando o nível de dióxido de carbono, com o aumento de espaços de ar morto (ar que não foi renovado), e a resistência de inspiração e expiração. Com o aumento dos espaços de ar morto e com a redução do volume dos pulmões, o ar morto atinge uma percentagem considerável em cada respiração, aumentando o nível de dióxido de carbono nos alvéolos pulmonares correspondentemente. Este aumento de dióxido de carbono aumenta um conseqüente aumento de dióxido de carbono no fluxo sanguíneo, contudo sem diminuir substancialmente os níveis de oxigênio. Como o estímulo respiratório é mais sensível ao nível de dióxido de carbono, o mergulhador terá a tendência a respirar mais frequentemente e/ou mais profundamente do que o faria à superfície.

Quando o mergulhador utiliza um sistema de mergulho autônomo e respira ar à pressão ambiente, necessita de uma adaptação devido à densidade do ar quando respirado a pressões superiores. Quando o ar circula por passagens lisas, este pode circular sem interrupção, movendo-se como uma coluna contínua. Por outro lado, em passagens que não sejam lisas, como equipamento de mergulho, traquéia e brônquios, o fluxo de ar torna-se turbulento através da fricção entre o ar e as paredes do respectivo canal. Este fenômeno origina que o ar no centro do canal circule mais depressa que nos extremos, originando uma maior resistência.Esta resistência tem a vantagem de aumentar um pouco a pressão dentro dos bronquíolos e dos alvéolos, ajudando a que eles não entrem em colapso durante a expiração. Contudo esta resistência causa mais problemas do que vantagens. O rápido movimento do ar, a maior densidade do ar a as passagens mais irregulares, mais energia tem de ser consumida para superar esta resistência.

 

Apnéia

Durante um mergulho em apnéia (sustentação da respiração), o corpo responde de forma a garantir a sobrevivência durante a pausa da respiração. O sistema circulatório mantém o oxigênio guardado nos pulmões, músculos e sangue para satisfazer as necessidades dos tecidos. Sem a ventilação, o dióxido de carbono acumula-se no sistema circulatório, causando o estímulo para respirar. Este estímulo sentido pelo mergulhador no início é fraco, aumentando progressivamente até o mergulhador atingir a superfície para respirar.

Uma resposta involuntária à apnéia é a Bradicardia, (diminuição do ritmo cardíaco). Ações voluntárias podem aumentar o tempo de apnéia, como o relaxamento do mergulhador. Movimentos lentos e eficazes reduzem o consumo de oxigênio e a produção de dióxido de carbono.

 

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Por: Adriano Leonardi.

Médico ortopedista especialista em cirurgia do joelho e medicina esportiva
Membro das sociedades brasileiras de Ortopedia e traumatologia (SBOT), Cirurgia do Joelho (SBCJ), Artroscopia (SBA) e Trauma desportivo (SBTD)
Membro da Wilderness Medical Society
Mestrando em ortopedia e traumatologia pela faculdade de ciencias médicas da Santa Casa de São Paulo.
Colaborador grupo de estudos de cirurgia do joelho do centro médico Kawano. (CEMKA)
Idealizador e web designer do site Medicina da aventura
Colunista do site de esportes de aventura webventure